Carta aos papais
Published On
2/20/2016
By
Flávia Carvalho
Querido Papai,
Eu imagino o quanto você deve ter sonhado em ser pai. É claro, não tanto quanto nós mulheres que somos "treinadas" para aceitar e gostar da ideia antes mesmo de crescermos. Somos pressionadas, cobradas a cada reunião de família e encontro com os amigos. Algumas até cedem à pressão antes mesmo de estarem ou se sentirem preparadas para o feito e apesar de não nos arrependermos, assim de cabeça fria, muitas vezes na hora de dormir nosso pensamento vai longe pensando nas infinitas possibilidades que teríamos se não tivéssemos embarcado nesta aventura.
Mas o que a maioria de vocês não pensa é que ao se tornar pai, tem que se comportar como tal. Gestar, sentir dores, cuidar do recém-nascido, educar e abdicar de tudo para o bem de todos é, na opinião de vocês, trabalho de mulher. Tudo bem, eu entendo. Por tantos anos é o que é ensinado nas entrelinhas das propagandas de fraldas, onde a protagonista sempre (sempre!!!) é uma mulher. Na ida ao médico, toda conversa é direcionada à mãe como se os pais fossem meros figurantes, quando não os chamam de "paizinho", para mostrar a importância que é dada a paternidade.
Sei que em um país onde a paternidade é tão mal e porcamente realizada, em comparação com os pais que simplesmente abandonam suas crias, é o melhor que está tendo. O comparativo é injusto com as mães. Veja bem:
- Eu sou um pai que provêm sustento, trago dinheiro para casa e você é a mãe que cuida, que "só" cuida das crianças. É isso, ou você prefere aqueles que pagam uma pensão mísera e nem aparecem para fazer presença aos filhos e tem aqueles que nem isso!
Belo comparativo, hein? E não haveria uma versão melhor de pai? O ruim ou o pior ainda? Só a isso que temos direito?
Saibam, queridos pais, que entendemos o quanto trabalhar é difícil e ao chegar em casa a única coisa que vocês querem é sentar no sofá e assistir ao jornal em silêncio. É o que queremos também! Algumas de nós também trabalham fora e não têm esse direito. Chegam em casa e vão preparar o jantar ainda com o roupa de trabalho. Olham os cadernos, ensinam a lição de casa, dão banho e colocam os filhos na cama. Só aí, tomam um banho e desmontam de cansaço, na esperança do dia seguinte ser "tranquilo" como o de hoje. Por que, sim, há dias mais cansativos, com crianças pirracentas, que não querem dormir ou doentes. Neste caso, o trabalho triplica e não há ninguém para dividir. E eu me pergunto, que direito vocês têm de querer chegar do trabalho e ficarem sentados sem fazer nada? E não foram os dois que desejaram e tiveram os filhos? Por que o peso de cuidar está sempre sobre nossos ombros? Mesmo quando os dois trabalham fora, por que nós temos que ter jornada dupla (até tripla) de trabalho?
Há também as mães que ficam o dia todo em casa, descansando, vocês devem pensar. Mas não! Mal temos tempo de tomar um banho, comer ou fazer algo por nós mesmas. 24 horas por dia cuidando da casa e das crianças. Eu sei que vocês sabem que é muito mais difícil, mas nunca dirão para se sentirem superiores a nós que ficamos em casa "esperando" o provedor voltar. Eu sei que vocês descobrem isso quando, por algum motivo, precisam ficar com as crianças. Saímos deixando tudo arrumado e instruções claras anotadas com letras garrafais e pregadas na geladeira. Encontramos na volta a casa toda bagunçada, crianças sujas e peladas, cachorro comendo o que não devia, vocês mesmos desesperados e aos berros. Somos recepcionadas por filhos famintos e exultantes de felicidade com a nossa volta. Ao perguntar o que aconteceu, ainda recebemos críticas pelos filhos mal educados que criamos.
- Mas o que aconteceu realmente? - Insistimos
- Ha!!!! Eles correram e gritaram pela casa, comeram biscoito no sofá e deixaram migalhas por toda parte, derramaram suco na cama, mexeram nas minhas coisas e bagunçaram meus documentos do trabalho, brigaram o tempo todo, jogaram brinquedos uns nos outros, o menorzinho fez cocô e tirou a fralda por conta própria e esfregou por toda parte. Tive que dar banho, alimentá-los e ficar o tempo todo de olho.
- É assim todo dia, ué. O que você esperava? - Respondemos. - Se você tivesse lido as instruções que deixei talvez fosse mais tranquilo.
- Quais instruções?
Neste ponto desistimos de conversar.
Vocês querem suor, lágrimas e sangue para encontrar a casa limpa, esposa cheirosa e crianças de banho tomado se preparando para dormir. Aí o pai maravilhoso que é só aparece para o beijinho de boa noite e ainda tem uma esposa linda e agradável que passou o dia todo descansando para namorar. Que beleza, não? E de onde vocês tiraram que se casaram e tomaram posse das nossas vidas? Só gostaria de saber... Por que pela família abrimos mão de tudo, de quem somos, nossos desejos, imaginando que estamos fazendo o certo para o bem de todos, imaginando que alguém mais pensaria no bem de todos e pensaria no nosso próprio bem. Mas não. Ao encontrarem esposas que cuidam e zelam, ao invés de unir o cuidado e o carinho, exploram o que fazemos. Coisa feia, viu? Quantas mulheres achando que é assim mesmo. Que desde que o mundo é mundo homem se comporta dessa maneira e nós mulheres temos que nos adaptar, nos acostumar. Para a maioria de nós, mulheres, homem se comporta de OUTRA maneira.
Homem que é homem cuida dos filhos, divide obrigações domesticas, procuram entender o que as mulheres passam na gestação e no puerpério (procure no dicionário, caso ainda não saiba), realmente se interessam pelos filhos e com crescimento deles.
- Ha! Mas eles te obedecem mais fácil.
- É claro! Convivemos diariamente com eles e fica muito mais fácil entender quando se convive.
- Mas essas crianças estão muito mal criadas!
- Insatisfeito? Então conserte! Faça melhor na criação deles!
- Ha! Mas você entende melhor disso!
- Por que? Por que sou mulher? E por acaso mulher nasce com uma programação especial, sabendo trocar fraldas, dar banho, amamentar e cuidar? Não! Aprendemos. E sabe por que? Por que temos interesse em aprender. Quem tiver interesse, sendo homem ou mulher, também aprenderá.
- Trabalhei o dia todo e ainda tenho que chegar em casa e ajudar?
- Claro! Nós, que ficamos em casa, nunca saímos do nosso trabalho, ele nos acompanha todos os dias, todos os dias do ano, sem um minuto de folga, até nas férias. E as mulheres que trabalham fora? Elas também estão casadas. E aí? Quem cuidará de tudo se todo mundo achar que pode deixar para lá, que têm esse direito? Quando nos tornamos pais, alguns direitos básicos vão por água abaixo. Insatisfeito? Não tenha filhos!
- Eu ajudo como posso!
- Ajuda? Ser pai não é ser ajudante, meu caro! Não é dar uma "forcinha", nós não precisamos de força, já temos isso de sobra! Você deve ter percebido no parto e no pós parto, no caso das cesarianas. Nós queremos pais presentes que sabem de suas obrigações. Sim, são obrigações, não "favores".
- Mulher é muito chata com essas coisas!
- Neste caso, caríssimo senhor. Honestamente, te aconselho a se casar com um homem, mas um que não queira filhos, viu?
Sinceramente, não queremos pais que empurram o carrinho, que tiram fotos bonitas para o Instagram e postam frases de efeito. Não precisamos de pais que ficam de piadinhas quando o assunto é trocar fraldas, por que não tem graça nenhuma. Não queremos pais que perguntam se queremos ajuda rezando para a resposta ser "não". Não precisamos de homens machistas que ensinam para seus filhos que lugar de mulher é na cozinha ou cuidando dos filhos, que ensinam para seus filhos o que é "coisa de menina" e "coisa de menino". Homens que respiram aliviados com a chegada de uma menina e ainda externam sua opinião para a mãe dizendo que agora sim, ela terá uma ajudante em casa. Não, nós não precisamos disso!
Aos papais que querem fazer diferente mas não sabem como, afinal, foram criados por pais que pensavam como esses que citei acima, tenho uma dica valiosa: Se vire! Isso mesmo! Procure saber, pesquise, pergunte. Nada melhor que a prática para ensinar. Quer aprender a trocar fraldas? Troque. Quer aprender a fazer o jantar? Faça. Quer cuidar melhor da sua família? Cuide.
Porém, depois, não pense você que está fazendo algo extraordinário, por que não está. Você não é um super pai por que faz essas coisas básicas. As pessoas precisam parar com essa mania de achar isso. Olham um pai sozinho com uma criança e acham encantador, tão bonito, tão mágico ele cuidando do filho sem ajuda nenhuma. Olham para um mãe na mesma situação e pensam:
- Lá vai outra largada pela marido!
E se a criança ou a mãe estiverem com uma cara ruim ou de cansada:
- Alá!! O pai não deve ter aguentado... Também, com um humor desse, nem eu aguentaria. Isso que dá. Agora está sozinha cuidando do filho. Nunca mais encontrará ninguém, por que homem nenhum aceita cuidar do filho dos outros. - Sendo que a maioria, é incapaz de cuidar do próprio, né?
Vamos parar com isso? Você não sabe se o pai está logo ali atrás da moça empurrando o carrinho de compras, se ela está indo ao seu encontro, se ele está trabalhando ou se ela quis sair sozinha com o filho. Pode ser até que o pai da criança tenha decidido provar de uma vez por todas o quanto é inútil e realmente não faça nada, nem passeie com a família. Pode ser também que o pai não seja presente, mas o importante nisso tudo, é que nada disso importa. Ao ver uma mulher sozinha com o filho, faça uma coisa simples: olhe para o outro lado.
Família é construção diária, é cumplicidade, é alicerce da vida. Para criar filhos saudáveis e felizes, nada como um ninho bem construído. É claro, não é necessário que tenha um pai, nem que tenha uma mãe. Não importa o formato dessa família. O importante é que ela seja feliz. Para isso, todos temos tarefas a cumprir e em cada uma delas, a alegria enorme e gratidão pela família linda que estamos construindo.
Portanto, papais. Não queremos uma mãozinha. Queremos o corpo todo, principalmente o coração. Afinal, colocando o coração em tudo o que fizer, fica fácil enxergar o quanto sua esposa está cansada, o quanto criar filhos é exaustivo e o quanto cria-los bem é importante. Trabalho de formiguinha, feito aos poucos, diariamente, e em equipe!
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