Ela acordou estranha, sentindo-se diferente. Olhou para o teto branco e pensou no que poderia ser. A chegada dos 30? Não. Até que estava encarando bem. O casamento? Acho que não. Sofrível e apaixonante como todo casamento é. Olhou para a janela. O sol nascia e o reflexo de alguma coisa lhe cegava os olhos. Que droga! Já havia pedido milhares de vezes para o marido fechar as cortinas quando acordasse, coisa que ele fazia mais cedo que ela todos os dias. Eis, portanto, a parte sofrível do casamento: a convivência a dois.
Levantou-se, tomou o costumeiro banho frio que parecia regenerar suas forças e acabava de acordar o que porventura ainda estivesse adormecido pela preguiça rotineira de toda manhã. Escolheu a roupa, vestiu-se apressada. Tomou um café preto só para forrar o estômago. Apesar da fruteira cheia de maçãs vermelhas lindas, tudo não passava de decoração. Ela odiava maçãs. Gostava do cheiro, da aparência, mas comê-las era obrigação do marido. Saiu apressada. O trânsito estressante de todos os dias lhe esperava e cada segundo era importante. Não adiantou tentar sair mais cedo, afinal, o velho e bom travamento por causa de um carro quebrado, custou-lhe a pontualidade. Chegou correndo no trabalho. Sua mesa bagunçada com papeis soltos que foram colocando por lá para lembrar-lhe das pendências que havia deixado na sexta, esperando resolvê-los logo cedo na segunda.
Mantinha velhos hábitos como sua boa e velha agenda de papel. Sentou na mesa e foi logo para a página do dia.
- Que dia é hoje mesmo? - Perguntou alto para quem ouvisse à procura da resposta rápida.
- Segunda-feira, 17 de maio. - Alguém respondeu.
Ao ir na parte de calendário, viu lá anotado o dia da sua última menstruação, assinalado como em código para não ficar muito na cara. O sangue gelou. Isso havia sido 45 dias atrás. Como ela, tão controlada e segura de tudo o que lhe acontecia poderia ter esquecido disso? Alguma coisa está errada. Porém, ela não poderia se dar ao luxo de parar para pensar nisso, não naquele momento. As pendência estavam ali. Projetos, telefonemas urgentes, datas bem próximas para entregar tudo o que havia prometido aos clientes. Ela amava o seu trabalho e apesar do estresse, tinha orgulho de cada tarefa realizada com empenho que rendia-lhe belos elogios junto aos gerentes.
Horário de almoço. Hora de colocar a cabeça no lugar. Normalmente, ela sairia com a turma do trabalho para comer em algum restaurante gostoso perto dali. Resolveu, no entanto, ficar só. Disse que estava atarefada demais e que não iria almoçar a todos que perguntavam e esperou que todos saíssem para pegar o carro e ir para mais longe, um canto da cidade que pouco frequentava e mais tranquilo. A ideia era almoçar em algum restaurante charmoso e passar em algum laboratório para fazer um teste de gravidez. Comeu apressada. A ansiedade era grande demais.
Entrou receosa no laboratório. Pegou uma senha. Quando foi ser atendida, ao sentar na mesa do atendente, qual foi sua surpresa quando percebeu que aquele era um amigo dos tempos de escola!
- Não acredito que isso está acontecendo comigo! - Pensou,
- Em que posso te ajudar? - Perguntou o rapaz, fingindo não reconhecê-la.
- Eu gostaria de saber dos valores para fazer um check-up.
- Haa, sim. - Ele digitou no computador e a impressora funcionou ao lado. - Esses são os valores e exames que fazem parte. - Disse apontando para o papel.
Ela fingiu interesse.
- Que bacana!
- Gostaria de agendar?
- Não, não. Estou apenas fazendo um levantamento de valores. Mas eu retorno quando decidir o que quero. - E foi se levantando.
- Ok. - Ele achou aquilo tudo muito esquisito. - Tenha um bom dia!
- Para o senhor também. - Disse já saindo do laboratório.
Definitivamente a ultima coisa que ela queria era um amigo da escola espalhando para todo mundo um resultado de gravidez positivo ou negativo. Se aquilo chegasse aos ouvidos dos seus pais, seria um furdunço desnecessário. Decidiu entrar em uma farmácia. Aqueles testes rápidos agora não pareciam uma má ideia. Pegou um cestinha, colocou chocolates, uma lata de coca, desodorantes e lenços de papel. Parou na prateleira de "coisas para mães", o que incluía os testes. Se distraiu olhando para todas as opções ali enfileiradinhas.
- Posso ajudar? - Uma voz soou bem atrás.
Ela deu um pulo de susto. Pediu ajuda e escolheu o que parecia ser o mais eficiente. Escondeu embaixo dos chocolates e seguiu para o caixa. No caminho lembrou-se do constrangimento que era comprar absorventes quando era adolescente e riu.
- Que bobagem!! - Pensou alto.
Levou a cestinha de compras ao caixa que foi passando produto por produto. Quando chegou no teste, ela não conseguiu registrar a compra.
- É produto novo, sabe, moça? Não deve estar cadastrado ainda no sistema. - Disse a atendente.
A atendente depois anunciou pelo microfone que estava tendo problemas no caixa 3 com o teste de gravidez, repetiu tudo com a fonética ainda mais clara, para que caso houvesse alguma dúvida, o flanelinha lá do outro lado da rua soubesse que havia uma mulher em dúvida em relação à gravidez.
Saiu com a sacolinha abarrotada de inutilidades e voltou ao trabalho. Na saída, pensou em ligar para a melhor amiga, contar da aflição que estava passando, mas decidiu não fazê-lo. Para quê, se não havia certeza de nada? Contar para a sua mãe? Nem pensar! Ela faria uma confusão com a informação. Provavelmente chegaria mais rápido que ela mesma em casa já com todo o enxoval comprado. Então não. Isso era algo só dela, de mais ninguém.
Chegou em casa, tomou um banho rápido. Olhou para a caixinha que estava à espera dela na bancada do banheiro. Abriu e leu as instruções.
- Só isso? Que fácil!
Abriu a lata de coca que estava quente e tomou. Sentou na cama e esperou a vontade vir. De repente a vontade veio. Correu para o banheiro, abriu o saquinho que guardava o teste e o palito para fazer xixi.
- Que situação esquisita! - Pensou.
Colocou o celular para contar os 5 minutos. Ficou os primeiros 30 segundos olhando fixadamente para o visor. O nervosismo aflorando.
- Ai, meu Deus. Vou enlouquecer se continuar olhando para isso.
Pegou o aquele treco esquisito e colocou dentro do armário do banheiro e fechou.
- Pronto! Agora não me atormenta mais.
Sentou-se na cama.
- Será que estou grávida? E se estiver? Haa, meus amigos falarão tanto na minha cabeça, que eu nem aproveitei o meu casamento direito, viajei, descansei. Minha família falará do quanto amo meu trabalho e do sacrifício que será abrir mão dele. Haaa... Mas tanta mulher que consegue conciliar! Por que eu não conseguiria? E meu casamento? Será que está preparado para isso? Será que ele quer? E se for menino? E se for menina? - Ela parou e pensou. - Se for menino é Lucas, se for menina é Maria Eduarda. Eu posso trabalhar meio-horário e cuidar de tudo, se não der certo, largo tudo e cuido do meu filho, afinal, é muito mais importante! Imagina só, eu deixar o meu filho ser criado pelos outros! Nunca! Quero acompanhar tudo de perto. Nossa! Temos que trocar de apartamento! Esse é muito pequeno e não tem playground. Criança precisa dessas coisas, né? O bairro também está tão perigoso! Não tem nenhuma praça ou parque bacana por perto. Tem que ser um com grades fortes e janelas grandes para arejar. Criança não combina com ambiente muito quente. Eu devo estar com 2 semanas ou 3. Nascerá no verão. Posso fazer o chá de fraldas no tema luau. Gostamos tanto de praia. Acho que ficaria lindo! A madrinha tem que ser minha irmã. T-E-M Q-U-E S-E-R!! Fralda é um troço caro, tenho que começar a estocar...
A alarme do celular a acordou da historia que fantasiava com a possibilidade da gravidez. Levantou-se trêmula e foi andando em direção ao banheiro. Pegou o teste. Uma listra.
- O que isso significa mesmo? - Ela pegou a bula correndo e foi em direção à sala analisar com calma. - Haaa tá. É negativo! Que alívio! Isso estragaria a minha vida! - E começou a chorar olhando para a pequena listra solitária do teste.
Um turbilhão de ideias na cabeça, mas uma dúvida incomodava: Por que estava chorando? E quanto mais tentava achar a resposta, mais vontade de chorar tinha. Um barulho de chave na porta. O maridou entrou e encontrou sua esposa aos prantos com alguma coisa na mão. Não entendeu nada. Apenas quis consolá-la. Sentou-se ao lado e ofereceu seu colo. Viu o teste de gravidez, mas ficou com medo de perguntar se era positivo ou negativo, afinal, não sabia o motivo do choro.
- Por cinco minutos eu fui mãe! - Ela disse em meio aos soluços.
É claro, ele sabia que era um desejo e tudo planejado com cuidado. Primeiro eles queriam curtir a vida à dois, depois começariam a pensar em filhos. Não sabia de toda aquele desejo da sua esposa, nem ela, até passar pelos cinco minutos de espera. Ela havia experimentado por aquele breve momento o que era a espera de uma mãe nos seus nove meses de gestação e gostou, desejou continuar a preocupar-se com a segurança do bebê e o futuro da sua família, naquele momento completa. Decidiram então que aquele era o momento de dar espaço para mais um membro na família. Filho que antes mesmo de ser gerado na barriga, já crescia em amor dentro do coração.
Dois meses se passaram. Ela acordou, sentindo-se esquisita. Olhou para o teto branco e pensou no que poderia ser. Olhou para a janela. O sol estava lindo entrava incomodando sua visão. Levantou-se, fechou a cortina, já cansou de pedir que ela fosse fechada pelo marido. Voltou a deitar-se. Andava tão cansada, com tanta preguiça, um sono inesgotável, por mais que dormisse cedo. Acordou meia hora depois com o celular que tocava. Era o marido lembrando-lhe de um jantar que tinham programado para mais tarde. Ela deu um pulo da cama, tomou banho e vestiu-se. Correu para a cozinha. Abriu a garrafa de café. O cheiro revirou o estômago. Olhou em volta e a única coisa que lhe abriu o apetite foram as benditas maçãs. Pegou, cheirou. Deu uma mordida grande e um pulo de susto:
- Estou grávida! - E gargalhou.
No jantar, empolgada para contar o teste positivo que havia feito no horário de almoço, ao abraçar o marido não suportou o cheiro.
- Realmente eu estou grávida! - Ela pensou achando graça daquilo.
E comemoram juntos a chegada da figurinha que faltava para completar o álbum!
Por cinco minutos estive grávida
Published On
3/20/2016
By
Flávia Carvalho
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários: